Estado do Mundo 2001
Relatório Anual do Worldwatch Institute
em Direção a uma Sociedade Sustentável
Capítulo 1
_______________________
PLANETA RICO, PLANETA POBRE
Christopher
Flavin
Presidente do
Worlwatch Institute
Uma visita ao
Estado da Bahia, Brasil, proporciona visões contrastantes do estado do mundo na
aurora do novo milênio. Situada 13 graus ao sul do Equador, Salvador, sua
capital, tem uma população de mais de 3 milhões de habitantes e uma aparência
totalmente moderna. O centro ostenta grandes prédios comerciais e muitas
construções em andamento e suas rodovias repletas de veículos utilitários
esportivos. O estado também é rico em recursos naturais: a riqueza
proporcionada pelo ouro e cana-de-açúcar fizeram de Salvador o local óbvio para
ser o principal porto e capital do Brasil colônia durante dois séculos.[i]
Durante um período estagnada – a escravidão só foi
abolida no final do século XIX, uma das últimas regiões a acabar com esta
prática – a economia da Bahia, hoje, está em rápida expansão. O estado possui
um próspero setor industrial e se tornou atraente para muitas das principais
multinacionais, inclusive montadoras que lá implantaram algumas das suas
unidades mais avançadas. A informática está num frenesi particularmente
competitivo. Os provedores da Internet no Brasil estão conectando consumidores
de graça, e telefones celulares são quase tão comuns como em muitas cidades
européias.
Entretanto, se nos detivermos um pouco mais, veremos
que outra Bahia ainda está presente. As grandes favelas que cercam a periferia
de Salvador estão abarrotadas de milhares de pessoas pobres, carentes de muito
mais que celulares e computadores: sanitários, água corrente e livros escolares
estão entre os serviços básicos e produtos indisponíveis a muitos dos pobres da
Bahia. Carências semelhantes podem ser notadas ao sul de Salvador, ao longo do
litoral agreste da Bahia: o colapso de muitas das ricas fazendas de cacau
causado por uma praga devastadora, a “vassoura de bruxa”, juntamente com um
declínio agudo nos preços mundiais de cacau, deixaram milhares de trabalhadores
agrícolas sem emprego nem condições de sustentar suas famílias.
A situação ambiental da Bahia está igualmente
desequilibrada. Considerada por ecólogos como um dos “ hot-spots”(áreas
críticas, com maior densidade de vida do mundo), a Mata Atlântica cobre mais de
2.000 quilômetros do litoral subtropical do Brasil. Em 1993, biólogos,
trabalhando numa área ao sul de Salvador, identificaram um número recorde
mundial de 450 espécies de árvores em um único hectare. (Um hectare de floresta no nordeste dos
Estados Unidos contém caracteristicamente 10 espécies.) Na última década, os
líderes políticos e empresariais da Bahia reconheceram a riqueza extraordinária
de seu patrimônio biológico – áreas silvestres estão sendo protegidas,
instalações de pesquisa ecológica estão sendo implantadas e resorts
ecoturísticos surgem por todos os lados. Um aviso no aeroporto chega até a
alertar os viajantes que a remoção de espécies endêmicas é um crime.[ii]
Todavia, sinais de destruição abundam: a pecuária se
espalha onde outrora vicejavam as florestas mais ricas do mundo; 93 porcento da
Mata Atlântica já se foi, e o que resta está fragmentada em pequenos lotes. A
pressão nestes últimos pedaços de floresta é gigantesca – tanto de corporações
e latifundiários poderosos, ávidos para vender produtos florestais e agrícolas
nos mercados mundiais, quanto de famílias pobres, desesperadas em busca de
sustento.[iii]
Este quadro da Bahia no ano 2000 é replicado em
dezenas de locais em todo o mundo. É o quadro de um mundo que passa por
mudanças extraordinariamente rápidas, entre disparidades imensas e cada vez
maiores. A prosperidade econômica sem precedentes, o surgimento de instituições
democráticas em muitos países e o fluxo quase instantâneo de informações e
idéias através de um mundo recém-interligado, nos permitem enfrentar desafios
negligenciados durante décadas: atender às necessidades materiais de todos os 6
bilhões de membros da raça humana e restaurar um equilíbrio sustentável entre a
humanidade e os sistemas ecológicos da Terra.
Este é um momento histórico, talvez até mesmo
evolucionário. Tragicamente, não está sendo aproveitado. Apesar do incremento no crescimento
econômico nos últimos anos e de ganhos significativos nos níveis de saúde e
educação em muitos países em desenvolvimento, o número de pessoas sobrevivendo
com menos de US$ 1 por dia – o limiar da pobreza utilizado pelo Banco Mundial –
foi de 1,2 bilhão em 1998, quase inalterado desde 1990. Em algumas partes do
mundo, incluindo a África subsaariana, sul da Ásia e a antiga União Soviética,
o número dos que vivem na pobreza é substancialmente maior do que as cifras
registradas há uma década. [iv]
A luta para recuperar a saúde ecológica do planeta
revela um quadro semelhante: algumas poucas batalhas foram ganhas, mas ainda
estamos perdendo a guerra propriamente dita. Taxas de crescimento de dois
dígitos nos mercados de energia renovável, mais o segundo ano de declínio em
emissões globais de carbono, por exemplo, foram insuficientes para reduzir o
ritmo da mudança climática mundial. Na realidade, evidências recentes do rápido
degelo das geleiras e a saúde declinante dos recifes de coral, sensíveis ao
calor, indicam que a mudança climática está se acelerando. O mesmo padrão pode
ser notado no compromisso maior com a proteção de áreas silvestres e
diversidade biológica: novas leis estão sendo promulgadas, consumidores estão
exigindo produtos de madeira benéficos à ecologia e resorts ecoturísticos estão
surgindo quase tão rapidamente quanto as empresas ponto-com. Todavia, silvicultores e biólogos informam
que estas ocorrências encorajadoras não reverteram a perda maciça de florestas
ou a maior crise de extinções que o mundo já testemunhou em 65 milhões de anos.[v]
Considerados há muito como questões distintas,
consignados a órgãos governamentais independentes, os problemas ecológicos e
sociais são, na realidade, interligados e se reforçam mutuamente. O ônus da
sujeira no ar e na água e dos recursos naturais dizimados invariavelmente recai
nos menos favorecidos. E os pobres, por sua vez, são freqüentemente compelidos
a derrubar a árvore mais próxima ou a poluir o córrego local, a fim de
sobreviver. A solução de um problema sem cuidar do outro é simplesmente
inviável. A pobreza e o declínio ambiental estão profundamente incorporados aos
sistemas econômicos modernos. Nenhum é um problema periférico que pode ser
considerado isoladamente. O que é preciso é o que Eduardo Athayde, Diretor
Geral da UMA - Universidade Livre da Mata Atlântica, na Bahia, denomina
“econologia,” uma síntese de ecologia, sociologia e economia, que pode ser
utilizada como base para a criação de uma economia social e ecologicamente
sustentável – o principal desafio que a humanidade enfrentará ao se iniciar um
novo milênio.[vi]
O desafio é ainda maior pelo fato de ter de ser
enfrentado simultaneamente em nível nacional e global, requerendo não apenas
cooperação mas parceria entre o Norte e o Sul.
A responsabilidade pela saúde atual do planeta e de seus habitantes
humanos é dividida desigualmente entre países ricos e pobres, mas para resolver
estes problemas os dois grupos de nações precisarão fazer valer suas
respectivas forças e capacidades. Isto exigirá uma nova forma de globalização –
que vá além dos elos comerciais e fluxos de capital até ligações políticas e
sociais fortalecidas entre governos e grupos de cidadãos.
Um grupo seleto de grandes países industrializados e em
desenvolvimento – um grupo que pode ser chamado de E-9, considerando que são
atores-chave tanto ambientais quanto econômicos – poderá desempenhar um papel
central para eliminar o distanciamento Norte-Sul. Em conjunto, este grupo de
países representa 57 porcento da população mundial e 80 porcento da produção
econômica total (Ver Tabela 1-1). Este capítulo utiliza os dados destes nove
países e regiões para esclarecer tendências econômicas, sociais e ecológicas,
porém este agrupamento não tem apenas um valor analítico. Como discutido no
final do capítulo, a cooperação do grupo E-9 poderá ser a chave para se atingir
um progresso econômico e ambiental acelerado no novo século.[vii]
Tabela 1-1. Perfil Populacional
e Econômico do Grupo E-9
País ou Grupo |
População, 2000 |
Produto Interno Bruto, 1998 |
|
(milhões) |
(bilhões de dólares) |
China |
1.265 |
924 |
Índia |
1.002 |
427 |
União Européia1 |
375 |
8.312 |
Estados Unidos |
276 |
7.903 |
Indonésia |
212 |
131 |
Brasil |
170 |
768 |
Rússia |
145 |
332 |
Japão |
127 |
4.089 |
África do Sul |
43 |
137 |
1Dados não incluem Luxemburgo. FONTES: Banco Mundial, World
Development Indicators 2000 (Washington, DC: 2000), 10–12; Population
Reference Bureau, “2000 World Population Data Sheet,” wall chart (Washington,
DC: junho de 2000). |
UM
CONTO DE DOIS MUNDOS
Em meados do ano 2000, duas notícias das Filipinas
chegaram às manchetes de todo o mundo. Em junho, um vírus de computador,
apelidado de lovebug [vírus do amor],
apareceu quase que simultaneamente em todos os continentes, destruindo os
sistemas de dezenas de corporações multinacionais e órgãos governamentais,
desde o Pentágono até o Parlamento Britânico. Custo total estimado da
destruição: US$ 10 bilhões. Especialistas em segurança de computadores e
agentes do FBI rapidamente rastrearam o vírus diabólico até uma pequena escola
técnica de Manila e um estudante de 24 anos chamado Onel de Guzman. Para os
especialistas, isto pode ter sido uma indicação da vulnerabilidade da Internet
global, mas nas Filipinas tornou-se rapidamente um motivo de orgulho nacional.
As pessoas consideravam o debacle do vírus um sinal encorajador que sua nação
em desenvolvimento estava dando um salto para os escalões superiores do setor
mais “quente” da economia global.[viii]
Sucessos
econômicos e fracassos sociais
são
vistos hoje lado a lado em todo o
mundo, nesta época de suposta abundância
Do outro lado da cidade, um bairro de Manila chamado
Terra Prometida foi alvo de notícias bem mais sérias um mês depois: mais de 200
pessoas foram mortas num imenso deslizamento de terra seguido de incêndio.
Embora esta tragédia tenha sido provocada pelo Tufão Kai-Tak, foi tudo menos um
desastre natural. A Terra Prometida, como se viu, é um misto de lixão/favela
abrigando 50.000 pessoas, a maioria das quais ganha a vida como badameiros dos
alimentos e materiais descartados pela crescente classe média de Manila. Após
dois dias de chuvas intensas, a montanha de lixo despencou em cima de centenas
de casas e dos cabos de energia, causando um incêndio de grandes proporções.
Dezenas de pessoas foram soterradas, outras queimadas vivas e outras tantas
envenenadas por produtos químicos tóxicos liberados pelo fogo.[ix]
Sucessos econômicos e fracassos sociais são vistos
hoje lado a lado, não apenas nas Filipinas mas em todo o mundo, nesta época de
suposta abundância. A produção anual da economia mundial cresceu de US$ 31
trilhões em 1990, para US$ 42 trilhões em 2000; comparativamente, a produção
total da economia mundial em 1950 foi de apenas US$ 6,3 trilhões. E em 2000, o
crescimento da economia mundial disparou para uma taxa anual de 4,7 porcento, a
maior da última década. Este aumento da atividade econômica permitiu a bilhões
de pessoas adquirirem novos refrigeradores, televisores e computadores, criando
milhões de empregos. Ligações telefônicas globais cresceram de 520 milhões em
1990 para 844 milhões em 1998 (um aumento de 62 porcento), e os assinantes de
celulares aumentaram de 11 para 319 milhões neste período (um aumento de 2.800
porcento). Enquanto isto, o número de computadores “anfitriões,” uma medida da
expansão da Internet, cresceu de 376.000 em 1990 para 72.398.000 em 1999 – um
aumento de 19.100 porcento.[x]
A prosperidade econômica da última década não ficou
restrita aos países ricos do Norte. A maior parte do crescimento está ocorrendo
nas nações em desenvolvimento da Ásia e da América Latina, onde reformas
econômicas, redução de barreiras comerciais e um incremento de capital
estrangeiro alimentaram investimentos e consumo. Entre 1990 e 1998, a economia
brasileira cresceu 30 porcento, a da Índia expandiu em 60 porcento e a da China
disparou em notáveis 130 porcento. A China, hoje, possui a terceira economia
mundial (segunda, se for medida em termos de paridade de poder de compra) e uma
próspera classe média que trabalha em escritórios, se alimenta de fast food, assiste TV a cores e surfa na
Internet. A China, sozinha, tem hoje 420 milhões de rádios, 344 milhões de
televisores, 24 milhões de telefones celulares e 15 milhões de computadores.[xi]
Mesmo assim, a economia global continua maculada por
grandes disparidades. (Ver Tabela 1-2.) O Produto Interno Bruto (PIB) per
capita varia de US$ 32.350 no Japão para US$ 4.630 no Brasil, US$ 2.260 na
Rússia e apenas US$ 440 na Índia. Mesmo quando medido em termos de poder de
compra, o PIB por pessoa nestes países varia por um fator de 10. A renda per
capita aumentou 3 porcento ao ano em 40 países, desde 1990, porém mais de 80
nações têm rendas per capita inferiores à de uma década atrás. Dentro dos
países, as disparidades são ainda mais surpreendentes. Nos Estados Unidos, os
10 porcento mais ricos da população têm seis vezes a renda dos 20 porcento mais
pobres; no Brasil a relação é de 19 para 1. Cerca de 12 porcento das pessoas
que vivem em países “ricos” ainda estão abaixo da linha da pobreza e, em
muitos, a desigualdade aumentou durante a última década.[xii]
Tabela 1–2. Tendências Econômicas nas Nações E–9
País |
PIB per Capita, 1998 |
Poder de Compra per Capita, 1998 |
População com Renda Abaixo de US$2 por Dia, 1993–991 |
Participação na Renda ou Consumo
|
|
|
20 % mais pobre, 1993–981 |
10% mais rico, 1993–981 |
|||
|
(dólares) |
(dólares) |
(percentual) |
(percentual) |
(percentual) |
Japão |
32.350 |
23.592 |
- |
10,6 |
21,7 |
Estados Unidos |
29.240 |
29.240 |
- |
5,2 |
30,5 |
Alemanha2 |
26.570 |
22.026 |
- |
8,2 |
23,7 |
Brasil |
4.630 |
6.460 |
17,4 |
2,5 |
47,6 |
África do Sul |
3.310 |
8.296 |
35,8 |
2,9 |
45,9 |
Rússia |
2.260 |
6.180 |
25,1 |
4,4 |
38,7 |
China |
750 |
3.051 |
53,7 |
5,9 |
30,4 |
Indonésia |
640 |
2.407 |
66,1 |
8,0 |
30,3 |
Índia |
440 |
2.060 |
86,2 |
8,1 |
33,5 |
1Dados de um único ano dentro do período. 2Dados comparativos para a União Européia indisponíveis; A Alemanha é o país mais populoso da UE. FONTE:
Banco Mundial, World Development Indicators 2000
(Washington, DC: 2000), 10–12, 62–64, 66–68. |
A expansão do consumo global durante a última década
foi acompanhada por melhoria nos padrões de vida em muitos países e declínios
em outros. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) calcula
que a parcela da população mundial sofrendo o que chama de “baixo
desenvolvimento humano” caiu de 20 porcento em 1975 para 10 porcento em 1997.
Entretanto, dados do Banco Mundial indicam que 2,8 bilhões de pessoas, quase a
metade da população mundial, sobrevivem com uma renda inferior a US$ 2 por dia,
enquanto um quinto da humanidade – 1,2 bilhão de pessoas – vive com menos de
US$ 1 por dia. Cerca de 291 milhões de africanos subsaarianos – 46 porcento da
população da região – hoje vivem com menos de US$ 1 por dia, enquanto no sul da
Ásia, este número é de 522 milhões. Este é um número assustador de pessoas que
entram no novo século sem a renda necessária para suprir suas necessidades
básicas, como alimento, água potável e tratamento de saúde.[xiii]
Em todo o mundo, cerca de 1,1 bilhão de pessoas estão
hoje subnutridas. A maioria é composta de pobres em áreas rurais, com terra
insuficiente para cultivar o alimento necessário e renda insuficiente para
comprá-lo de outros. Muitas destas pessoas vivem em países com excedentes
alimentícios, mas enquanto agricultores abastados vendem seus produtos a
consumidores da classe média em nações distantes, as receitas não beneficiam
milhões de crianças famintas. Em alguns países africanos, como Quênia, Zâmbia e
Zimbábue, até 40 porcento da população é subnutrida.[xiv]
Aproximadamente 1,3 bilhão de pessoas não têm acesso à
água potável. Na China, a parcela que se enquadra nesta categoria é de 10
porcento (125 milhões de pessoas); na Índia é de 19 porcento e na África do
Sul, 30 porcento. Sanitários são ainda mais raros em muitos países: 33 porcento
da população do Brasil não dispõe deles; 49 porcento da Indonésia e 84 porcento
da Índia.[xv]
A água poluída contribui em grande parte para uma das
maiores disparidades que o mundo hoje enfrenta: a saúde. Embora as taxas de
mortalidade infantil tenham caído de 25 a 50 porcento em muitos países na
última década, ainda permanecem em 43 por mil nascimentos na China e 70 por mil
na Índia. (Ver Tabela 1-3.) A maior parte da grande diferença neste número em
todo o mundo resulta da subnutrição e doenças infecciosas comuns, que continuam
generalizadas em muitos países pobres. Doenças mais intratáveis, como o cólera
e a tuberculose, também estão se tornando epidêmicas em muitas regiões.
País |
Dispêndios na Saúde per Capita, 1990–981 |
Mortalidade Infantil
|
Incidência de Tuberculose, 1997 |
Predomínio do HIV Entre Adultos, 1997 |
|
1980 |
1998 |
||||
|
(dólares de poder de compra) |
(por mil nascimentos) |
(por 100.000) |
(percentual) |
|
Estados Unidos |
4.121 |
8 |
4 |
7 |
0,76 |
Alemanha2 |
2.364 |
12 |
5 |
15 |
0,08 |
Japão |
1.757 |
13 |
7 |
29 |
0,01 |
África do Sul |
571 |
42 |
31 |
394 |
12,91 |
Brasil |
503 |
70 |
33 |
78 |
0,63 |
Rússia |
404 |
22 |
17 |
106 |
0,05 |
China |
142 |
90 |
43 |
113 |
0,06 |
Índia |
73 |
115 |
70 |
187 |
0,82 |
Indonésia |
38 |
67 |
51 |
285 |
0,05 |
1Dados do ano mais recente disponível. 2Dados comparativos para União Européia indisponíveis; A Alemanha é o país mais populoso da UE. FONTE: Banco Mundial, World Development
Indicators 2000 (Washington, DC: 2000), 90–92, 102–04, 106–08. |
Mais alarmante ainda é o fato da AIDS, controlada em
alguns dos países ricos, estar se alastrando rapidamente em muitas nações em
desenvolvimento. A crise é particularmente aguda no sul da África que, há uma
década, tinha taxas relativamente
baixas de infecção. Em 2000 as taxas de
infecção do HIV já haviam atingido cifras espantosas de 20 porcento na África
do Sul, 25 porcento em Zimbábue e 36 porcento em Bostwana. Décadas de
crescimento na expectativa de vida estão revertendo em questão de anos, quando
centenas de milhares de jovens adultos e crianças sucumbem à doença. Orçamentos
de saúde estão sendo estourados e a educação solapada pelas mortes prematuras
de muitos professores. Não é acidental que os países mais devastados pela AIDS
sejam aqueles com altos índices de distúrbios sociais e serviços médicos
limitados. Na China, os pobres que vendem seu sangue para equilibrar o
orçamento doméstico, pagam um alto preço, sob a forma de infecção do HIV de
agulhas contaminadas. Ironicamente em partes da África, são justamente aqueles
que mal saíram da pobreza que estão sendo mais atacados – devastando uma
geração de jovens trabalhadores educados, um cataclisma que poderá impedir o
crescimento de uma classe média economicamente segura..[xvi]
Um dos principais ingredientes do progresso econômico
é a educação, e nesta frente o mundo está se saindo melhor do que há duas décadas. (Ver Tabela 1-4.) Na Índia, a parcela de
crianças em escolas secundárias elevou-se de 41 porcento para 60 porcento; na
China, foi de 63 para 70 porcento; e na África do Sul, de 62 para 95 porcento. Mesmo com este progresso, muitos países
deixam de investir adequadamente em sua juventude, que provavelmente não
participará ou se beneficiará dos setores econômicos mais vibrantes de hoje, e
requerem não apenas a alfabetização básica mas, freqüentemente, treinamento
especializado. As jovens, especialmente, recebem educação inadequada em muitos
países. As taxas de analfabetismo
adulto feminino continuam em níveis altos, como 25 porcento na China e 57
porcento na Índia, níveis que praticamente garantem uma gama de problemas
sociais e econômicos – e que tornam as ameaças ambientais mais difíceis de
equacionar.
País |
Taxa de Analfabetismo Adulto
Feminino Masculino |
Parcela de Crianças em Escola Secundária
|
||||
|
1980 |
1998 |
1980 |
1998 |
1980 |
1997 |
|
(percentual) |
(percentual) |
(percentual) |
|||
Alemanha1 |
- |
- |
- |
- |
82 |
95 |
Japão |
- |
- |
- |
- |
93 |
100 |
Estados Unidos |
- |
- |
- |
- |
94 |
96 |
Rússia |
2 |
1 |
1 |
0 |
98 |
88 |
Brasil |
27 |
16 |
23 |
16 |
46 |
66 |
África do Sul |
25 |
16 |
22 |
15 |
62 |
95 |
Indonésia |
40 |
20 |
21 |
9 |
42 |
56 |
China |
48 |
25 |
22 |
9 |
63 |
70 |
Índia |
74 |
57 |
45 |
33 |
41 |
60 |
1Dados comparativos para a UE indisponíveis; A Alemanha é o país mais populoso da UE. FONTE:
Banco Mundial, World Development Indicators 2000
(Washington, DC: 2000), 74–76, 82–84. |
TESTANDO
OS LIMITES
Quando o navio quebra-gelo Yamal chegou ao Pólo Norte, em julho de 2000, os cientistas a bordo
viram algo ao mesmo tempo comum e inesperado: uma área de mar aberto e calmo em
lugar da massa de gelo, de dois a três metros de espessura, característica da
região, mesmo no pico do verão. Nos 91 anos, desde que Robert Peary e Matthey
Henson chegaram ao Pólo Norte em trenós puxados por cachorros, em 1909, nada
igual havia sido registrado. Mas a
memória humana não é a escala adequada para mensurar esta ocorrência: os
cientistas calculam que a última vez que a região polar esteve totalmente livre
de gelo foi 50 milhões de anos atrás.[xvii]
A natureza dinâmica, mutante, da massa de gelo do
Ártico indica que o mar aberto no pólo era, por ora, um fenômeno passageiro,
porém registros científicos recentes confirmam a tendência subjacente. A capa
de gelo da Terra está derretendo em um ritmo extraordinário. Medições por sonar
realizadas por submarinos revelam um declínio de 40 porcento na espessura média no gelo polar do verão, desde a
década de 50, excedendo, em muito, a taxa de degelo estimada anteriormente.
Baseados nessas observações, os cientistas hoje calculam que até meados do
século XXI todo o Ártico poderá estar sem gelo no verão.[xviii]
Entre as miríades de sinais de mudança climática causada
pela atividade humana – a queima de combustíveis fósseis foi estimada
recentemente como sendo a responsável pela elevação das concentrações
atmosféricas de dióxido de carbono aos seus níveis mais altos em 20 milhões de
anos – este degelo do Ártico pode ter sido o mais dramático. No final de 2000,
o Painel Internacional sobre Mudança Climática (IPCC), o órgão científico de
consultoria para os negociadores governamentais, publicou seu último
relatório. Incluiu a declaração
consensual mais incisiva até hoje, que a liberação de dióxido de carbono e
outros gases de estufa pela humanidade “contribuiu substancialmente para o
aquecimento observado durante os últimos 50 anos.” Até o final do século, concluiu o IPCC, as temperaturas podem
estar 5 graus centígrados mais altas que em 1990 – um aumento maior do que a
mudança de temperatura entre a Era Glacial e os tempos modernos.[xix]
Enquanto a indústria naval já começa a considerar o
degelo ártico como uma oportunidade potencial de curto prazo – poderia reduzir
a distância de viagem entre a Europa e o Extremo Oriente em até 5.000
quilômetros – as conseqüências ecológicas e econômicas de longo alcance seriam
muito mais extensas e difíceis de prever. Os cientistas recentemente verificaram que o gelo ártico é uma peça-chave
do “motor” que move a poderosa esteira rolante oceânica – a Corrente do Golfo –
que proporciona ao norte da Europa o clima relativamente temperado e estável
que tem permitido às sociedades européias florescerem. Sua desativação
alteraria o clima da Europa mais do que em qualquer tempo desde a última Era
Glacial. E como a Corrente do Golfo é um fator dominante do sistema
circulatório oceânico, qualquer alteração significativa em seu curso impactaria
todo o mundo. Ademais, com menos gelo para refletir os raios solares, o
aquecimento global que causou o degelo aceleraria.[xx]
Cerca de 10.000 quilômetros ao sul do Pólo Norte
encontra-se um meio ambiente muito diferente – os oceanos tropicais do mundo e
seus abundantes recifes de coral, um ecossistema biologicamente rico que tem
sido descrito como as florestas tropicais dos oceanos (65 porcento das espécies
de peixes habitam os recifes). Um dos
mais ricos é o Recife de Barreira de Belize, na Península de Yucatan, no Caribe,
local de uma expedição de mergulho recente do biólogo marinho Jonathan Kelsey e
do jornalista Colin Woodard. O que
começou como uma emocionante exploração da vida marinha espetacular e multicor
da região se transformou num desapontamento perturbador. “Pedras arredondadas,
brilhantes e brancas pontuavam a paisagem marinha em todas as direções, um
sinal de grave distúrbio do coral,” relatou Woodard. “Uma região secular de
corais “chifre de alce,” do tamanho de um elefante, estava agora morta e
coberta por uma camada de algas marrons, já por dois anos. Por todos os lados,
os corais agonizavam.”[xxi]
Em todo o mundo, do Caribe ao Oceano Índico e até o Great Barrier Reef da Austrália,
chegaram relatos de observações semelhantes nos últimos dois anos. Os pólipos
dos corais são sensíveis à temperatura, adoecendo ou morrendo sempre que as
temperaturas oceânicas sofrem qualquer elevação. O aquecimento temporário das
águas que acompanha as anomalias do El Niño no Pacífico é mais danoso para os
recifes de coral, porém o El Niño de 1998 foi algo diferente: informações sobre
corais afetados logo chegavam de biólogos marinhos em todo o mundo, calculando
que mais de um quarto dos recifes de coral estava doente ou morrendo. Em
algumas áreas do Pacífico, a cifra atinge 90 porcento. Para muitas pequenas
ilhas-nações, a perda de receita da pesca e do turismo, como também os maiores
danos causados por ressacas resultantes da perda dos recifes de coral, podem
ser suficientes para provocar o colapso de suas economias.[xxii]
Em seguida a outro episódio grave de branqueamento de
coral uma década antes, esta epidemia recente de doenças nos corais é outra
indicação forte que o mundo está aquecendo. Mas é também mais do que isto: os
recifes de coral são uma versão marinha do famoso canário numa mina de carvão –
vulneráveis a muitos estresses ambientais, hoje desenfreados, incluindo o
esgoto urbano, o escoamento agrícola e a sedimentação que advêm do
desflorestamento. A dizimação recente dos recifes de coral e a crescente
freqüência destes eventos indicam que o equilíbrio ecológico do planeta foi
profundamente afetado.
Seja o gelo ártico, corais tropicais, pesqueiros
oceânicos ou florestas seculares, as forças que conduzem à destruição ecológica
são variadas, complexas e, muitas vezes, perigosamente sinérgicas. A população
é um fator. A expansão quase quádrupla da humanidade durante o último século
aumentou drasticamente as demandas sobre os recursos naturais. A combinação de
crescimento populacional com desmatamento, por exemplo, reduziu a quantidade de
hectares de florestas “per capita” pela metade, desde 1960 – aumentando as
pressões sobre as florestas remanescentes e incentivando a rápida expansão de
florestas cultivadas. A demanda pela água, energia, alimentos e materiais foi
exacerbada pela expansão sem precedentes da população mundial. E, cada vez
mais, é nos países em desenvolvimento que os sistemas naturais estão declinando
mais rapidamente e as pessoas enfrentando as maiores pressões ambientais. (Ver
Tabela 1–5.)[xxiii]
País |
Parcela de Terra que está
Florestada, 19951 |
Mudança no Desflorestamento Médio Anual, 1990–95 |
Parcela de Mamíferos Ameaçados, 1996 |
Parcela de Plantas em Flor Ameaçadas, 1997 |
Parcela de Terra sob Proteção Nacional, 1996 |
|
|
(percentual) |
|||||
Rússia |
22 |
0 |
11,5 |
- |
3,1 |
|
Brasil |
16 |
0,5 |
18,0 |
2,4 |
4,2 |
|
Estados Unidos |
6 |
-0,3 |
8,2 |
4,0 |
13,4 |
|
China |
4 |
0,1 |
19,0 |
1,0 |
6,4 |
|
Alemanha2 |
3 |
0 |
10,5 |
0,5 |
27,0 |
|
Indonésia |
3 |
1 |
29,4 |
0,9 |
10,6 |
|
Índia |
2 |
0 |
23,7 |
7,7 |
4,8 |
|
Japão |
0,7 |
0,1 |
22,0 |
12,7 |
6,8 |
|
África do Sul |
0,2 |
0,2 |
13,4 |
9,5 |
5,4 |
|
1Dados podem se referir a anos anteriores. 2Dados comparativos para a UE indisponíveis; A Alemanha é o país mais populoso da UE. FONTE:
Banco Mundial, World Development Indicators 2000
(Washington, DC: 2000), 126–28. |
||||||
|
||||||
Entretanto, o
crescimento populacional por si só não poderia ter testado os limites
ambientais tão fortemente. As pressões que impõe foram aumentadas pelos níveis
crescentes de consumo, à medida que cada indivíduo exige mais do planeta. A
industrialização, dietas à base de carne e sistemas de transportes centrados no
automóvel estão entre as práticas altamente consumistas adotadas originalmente
pelo bilhão de pessoas que vivem em países ricos, práticas estas que hoje
proliferam em muitas partes do mundo em desenvolvimento. Enquanto isto,
regulamentos governamentais e tecnologias de controle de emissões não
acompanharam o mesmo ritmo dos países mais ricos. Conseqüentemente, a poluição
atmosférica mais grave está hoje em cidades como Jacarta e São Paulo. (Ver Tabela 1–6.)
País |
Dióxido de Enxofre 1995 |
Particulados em Suspensão, 1995 |
Dióxido de Nitrogênio, 1995 |
|
(microgramas por metro cúbico) |
||
Alemanha (Frankfurt)1 |
11 |
36 |
45 |
Japão (Tóquio) |
18 |
49 |
68 |
A. do Sul (Cidade do Cabo) |
21 |
- |
72 |
EUA. (Nova York) |
26 |
- |
79 |
Índia (Mumbai) |
33 |
240 |
39 |
Brasil (São Paulo) |
43 |
86 |
83 |
China (Xangai) |
53 |
246 |
73 |
Rússia (Moscou) |
109 |
100 |
- |
Indonésia (Jacarta) |
- |
271 |
- |
1Dados comparativos para a UE indisponíveis. A Alemanha é o país mais populoso de UE. FONTE:
Bando Mundial, World Development
Indicators 2000 (Washington, DC: 2000), 162–64. |
A combinação do crescimento populacional com o aumento
do consumo deverá provocar um salto no número de pessoas que vivem em países
com déficit hídrico, de 505 milhões para mais de 2,4 bilhões, nos próximos 25
anos. Nos países que já enfrentam carência grave de água, como o Egito, Índia e
Irã, a escassez da água deverá exigir importações de alimentos em larga escala.
No norte da China, o lençol freático sob Beijing caiu 2,5 metros em 1999,
resultando num declínio de 59 metros, desde 1965. Igualmente, a crescente
demanda pelo petróleo – especialmente na América do Norte e leste da Ásia –
contribuiu, no ano 2000, para a maior alta sustentada dos preços de petróleo
jamais vista no mundo desde o início da década de 80. Além das razões políticas
imediatas de preços mais altos para o petróleo, a causa subjacente é clara: a
produção mundial de petróleo está próxima a um pico histórico, e os produtores
se esforçam para atender à demanda conjunta de primeiros proprietários de
carros na China e daqueles que estão comprando os grandes veículos utilitários
esportivos, encontrados hoje em metade das garagens nos Estados Unidos.[xxiv]
Embora o crescimento da afluência na última década
tenha contribuído para muitos problemas ambientais, manter o povo pobre não é a
solução – moral ou prática. Nas áreas empobrecidas em todo o mundo, os pobres
rurais estão sendo empurrados para terras marginais, quase sempre acidentadas,
de onde precisam obter caça, colher das árvores ou desmatar a terra para
pastagem ou lavouras, a fim de sobreviver. Um estudo patrocinado pelo Fundo
Mundial para a Natureza (WWF), em 2000, sobre as causas básicas da perda da
biodiversidade, concluiu que, conjuntamente com outras forças, a pobreza
freqüentemente desempenha um papel principal..[xxv]
Nas Filipinas, por exemplo, a rica variedade de
recifes de coral, florestas e manguezais – refúgios para cerca de 40.000
espécies – está encolhendo rapidamente, enquanto os bolsões remanescentes
perdem muito da sua diversidade original. De acordo com o estudo do WWF, a
pobreza rural e a distribuição desigual de terras, nas Filipinas, estão entre
as causas principais da perda de biodiversidade que precisam ser corrigidas, para
que a riqueza natural do país seja preservada para as gerações futuras.
Igualmente, um estudo no estado mexicano de Campeche, no sul do país, constatou
que a maior pressão sobre a Reserva da Biosfera Calakmul advém dos esforços dos
povos indígenas locais para satisfazer suas necessidades materiais. O
atendimento destas necessidades de forma sustentável é o componente-chave de
qualquer programa eficaz de reversão do declínio ambiental.[xxvi]
APROVEITANDO
A OPORTUNIDADE
O ano passado foi marcado por um debate mundial
turbulento sobre os méritos da globalização econômica e como melhor assegurar o
progresso acelerado, humano e ecológico, nas décadas vindouras. Praticamente,
todas as reuniões importantes das instituições financeiras internacionais se
defrontaram com milhares de manifestantes tentando influenciar ou interromper
as discussões. Embora as demonstrações fossem marcantes, a discussão infindável
sobre a liberação e globalização do mercado ser boa ou não para as pessoas e o
planeta entretanto não foi um ponto particularmente construtivo para se dar
início a um novo século. Cada lado tende a simplificar e vilificar a posição do
outro, resultando num impasse retórico.
Não há dúvida alguma que a abertura de mercados em
países com governos fracos, sistemas jurídicos inadequados e corrupção
desenfreada, pode agravar os problemas sociais e ambientais. Entretanto,
mercados mais abertos são, ao mesmo tempo, instrumentos potencialmente
poderosos para a criação de oportunidades econômicas e sociais para os pobres, e
incentivadores do desenvolvimento da sociedade civil. Em muitas partes do mundo
em desenvolvimento, o capital está hoje mais disponível para pequenos negócios;
novas idéias fluem mais livremente e a quantidade de organizações
não-governamentais (ONGs) aumenta. As pessoas sentem-se mais empolgadas e
energizadas com as possibilidades futuras, do que há uma década.
O debate multifacetado decorrente dos protestos sobre
a globalização ressoou no Banco Mundial, onde os preparativos para a edição do
Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial – enfocando o ano de 2000 e a questão
da pobreza – geraram um debate vigoroso interno e externo que levou seu
principal autor, o economista da Universidade de Cornell, Ravi Kanbur, a
renunciar em protesto. No centro do debate do Banco Mundial estava a posição de
Kanbur e de outros técnicos e representantes de ONGs, que a liberalização dos
mercados e o crescimento econômico são insuficientes, por si só, para reduzir a
pobreza.[xxvii]
Para surpresa de muitos, a versão publicada do relatório
do Banco, alguns meses depois, reconhecia o fracasso do crescimento econômico
em reduzir as cifras de pobreza ou eliminar o grau de desigualdade em muitas
nações. O relatório urgia uma
estratégia mais ampla e abrangente na luta contra a pobreza, observando que
“facilitar o empowerment das pessoas
pobres – fazendo as instituições estatais e sociais mais responsivas a elas – é
importante também para a redução da pobreza.” Surge, em todo o mundo, um
consenso mais consolidado: que a redução da pobreza é um empreendimento
complexo que requer intervenções governamentais extensas, mas delicadas,
incluindo investimentos em educação e saúde, sistemas jurídicos e financeiros
firmes, reforma agrária e fortes políticas anticorrupção. A experiência da
Rússia, onde a abertura do mercado foi acompanhada por um aumento de 50
porcento nas taxas de pobreza, é um alerta importante de que um sistema
político sadio – no qual todos os interesses de uma sociedade são tratados
adequadamente – e uma estrutura jurídica e reguladora forte são os
ingredientes-chave para atender às necessidades dos pobres.[xxviii]
No
sul da Índia, um grupo chamado
Myrada presta serviços de
corretagem entre os bancos
e
grupos de pessoas pobres, que utilizam o empréstimo
para abrir pequenos negócios.
Avanços sociais e ecológicos também exigirão um
compartilhamento de compromissos para um conjunto de metas consensuais – metas
que vão além do modelo de expansão de riqueza que predomina em muitos sistemas
políticos modernos. A ampliação das opções humanas, a eliminação da pobreza e o
equilíbrio da economia humana com os sistemas naturais da Terra, são desafios
grandes o bastante para emoldurar um novo milênio, mas tão urgentes que deverão
ser enfrentados dentro do século atual. Em conjunto, estas mudanças representarão
uma revolução tão fundamental quanto qualquer outra na história humana – uma
Revolução “Econológica” que testará nossas capacidades tecnológicas, econômicas
e até mesmo nossa humanidade.
Transições desta magnitude não ocorrem sem pressões
fortes contra mudanças, uma vez que as pessoas geralmente resistem a
perturbações dos seus padrões correntes, a não ser que haja uma necessidade
clara para tal. (Ver também o Capítulo
10.) Os antropólogos acreditam que a
Revolução Agrícola ocorreu em regiões onde o estresse ambiental ou pressões
populacionais inviabilizaram o estilo de vida tradicional do caçador/colhedor.
Igualmente, a Revolução Industrial foi precipitada, em parte, pelos limites
sociais e econômicos vigentes na economia do século XVIII. Uma Revolução
Econólogica deverá ser acompanhada de um amplo reconhecimento que a mudança é
necessária – que sem ela o progresso da humanidade desacelerará e reverterá.
Mas é essencial , também, que as pessoas entendam as oportunidades que estarão
à frente, caso a revolução seja bem-sucedida. Como declarou um representante do
Greenpeace numa conferência em Oslo: “Se você quiser que um homem construa um
barco, deixe-o primeiro cheirar as ilhas.”[xxix]
Isto não deverá ser muito difícil. O mundo, na aurora
do milênio, é extraordinariamente dinâmico, e apesar da deterioração contínua
refletida em muitos indicadores ecológicos e sociais, centenas de histórias de
sucesso podem ser apontadas – sementes de mudança que germinarão e se
espalharão, se bem nutridas.
Uma das mais encorajadoras histórias de sucesso dos
últimos anos é a atenção crescente para o atendimento direto das necessidades
dos pobres, em muitos países. Investimentos governamentais em educação e saúde
aumentaram substancialmente em algumas nações, incentivados em parte por
compromissos maiores das instituições financeiras internacionais. A América
Latina, particularmente, que tem sido marcada historicamente por enormes
desigualdades, vem reduzindo a distância, investindo intensamente nas pessoas.
Desde 1980, por exemplo, a parcela de crianças brasileiras no ensino secundário
subiu de 46 para 66 porcento, enquanto a proporção de mulheres analfabetas caiu
de 27 para 16 porcento. E no pobre estado nordestino do Ceará, um programa
preventivo de saúde, com 7.300 agentes comunitários de saúde, 235 enfermeiras
formadas e uma campanha na mídia, contribuiu para um declínio na taxa de
mortalidade infantil, de 102 por mil nascimentos para 65.[xxx]
A solução das
grandes questões de gênero que ainda existem em muitos países é uma das chaves
para o progresso social. Em muitas partes da Ásia, África, Oriente Médio e
América Latina, as mulheres ainda não possuem os direitos legais usufruídos
pelos homens, sendo-lhes negados acessos iguais à educação, crédito e outros
ingredientes do progresso econômico. Isto não apenas coloca em desvantagem
metade da população humana, como também impede o avanço de pequenos negócios e
lavouras que são dominados por mulheres em muitos países. Mas esta situação
começa a mudar também, à medida que as mulheres organizam ONGs como a Self-Employed Women’s Association
[Associação de Mulheres Autônomas], na Índia, que tem prestado apoio cotidiano
às mulheres, dando-lhes também uma voz no sistema político estabelecido. Em
todo o mundo, muitas das barreiras sociais ao progresso das mulheres estão
sendo lentamente eliminadas.[xxxi]
Uma das recentes inovações sociais que tem se mostrado
particularmente útil às mulheres é o microcrédito, um conceito lançado pelo Grameen Bank, de Bangladesh e o BancoSol, da Bolívia. Durante a última
década, esta abordagem foi adaptada a dezenas de países, beneficiando mais de
10 milhões de mutuários com minúsculos empréstimos que os tornam pequenos
empresários, capazes de ter e gerir seus próprios negócios. No sul da Índia, um
grupo chamado Myrada presta serviços
de corretagem entre os bancos e grupos de pessoas pobres, que utilizam o
empréstimo para abrir pequenos negócios. Estes esforços ajudaram a ensinar a
muitos legisladores que a falta de acesso a um capital exeqüível limita o progresso
econômico em muitas comunidades pobres. As instituições financeiras
internacionais e os países industrializadas estão, hoje, fornecendo recursos
para apoiar muitos programas de micro-crédito.[xxxii]
O progresso social também requer um meio ambiente sadio,
particularmente em áreas rurais onde os pobres geralmente dependem de recursos
locais para alimento, água, abrigo e energia – um fator que fica de fora das
equações desenvolvimentistas utilizadas pela maioria dos economistas. Em muitos
casos, desmatamento, erosão do solo e exaustão da água subterrânea têm deixado
aldeões sem condições de satisfazer suas necessidades básicas e sem os recursos
financeiros necessários para investir em progresso social. A experiência na
Índia, entretanto, tem demonstrado que capacitar as comunidades e proporcionar
assistência no manejo de suas florestas e bacias hidrográficas locais pode
levar a rápidas melhorias no padrão de vida.[xxxiii]
Outra inovação enraizada nos últimos anos foi a
agricultura orgânica. Mais de 7 milhões de hectares de terras agrícolas estão
hoje destinadas ao cultivo orgânico, quase dez vezes mais do que na última
década. Sérios problemas recentes com os alimentos, particularmente na Europa,
incentivaram a demanda dos consumidores por alimentos livres de agrotóxicos e
fertilizantes, como também o reconhecimento crescente dos benefícios ecológicos
destes novos métodos de cultivo. Agências governamentais contribuíram para este
crescimento, através da certificação de alimentos orgânicos e, em alguns casos,
de subsídios. Agricultores privados obtiveram vantagens dos altos preços das
culturas orgânicas, plantando mais áreas através de novas técnicas. (Ver Figura
1-1.) E com barreiras comerciais sendo extintas, os agricultores em países como
a Argentina, Índia e Uganda estão cultivando alimentos orgânicos para
exportação a países industrializados. A
um custo aproximado de US$ 22 bilhões anuais, o mercado global de alimentos
orgânicos ainda é uma minúscula fração do total, porém taxas de crescimento
recentes indicam que uma massa crítica está sendo alcançada e que poderá, em
breve, possibilitar a maioria dos alimentos ser cultivada desta forma.[xxxiv]
Figura
1-1. Área Orgânica Certificada na União Européia, 1985-99
Equiparando-se à prosperidade da agricultura orgânica
está o incremento recente do interesse em produtos de madeira com certificação
ambiental. O que começou como um pequeno movimento de consumidores indignados
com produtos de madeira, advindos de florestas nativas, alastrou-se
recentemente atraindo grandes compradores, como a Home Depot e duas das maiores empresas de construção de residências
dos Estados Unidos. A chave desta
mudança no mercado de produtos de madeira é o Conselho de Manejo Florestal que
estabeleceu o primeiro sistema de certificação, no início da década de 90. Em
conjunto com o Fundo Mundial para a Natureza no Reino Unido, estabeleceu os
primeiros grupos de compradores; hoje, mais de 600 empresas diferentes em 18
países pertencem ao Global Forest and
Trade Network, e cerca de 25 países estão desenvolvendo normas florestais
sustentáveis. Atualmente, 20 milhões de hectares de floresta estão sob manejo
sustentável de certificação independente, um número que está projetado a
crescer para 200 milhões de hectares até 2005.[xxxv]
O “esverdeamento” do mercado de produtos de madeira
está sendo seguido pelo surgimento recente de um mercado para energia “verde.”
A eletricidade, gerada principalmente do carvão e da energia nuclear na maioria
dos países foi, no passado, vendida como uma commodity única, não diferenciada.
Todavia, alguns governos, hoje, estão exigindo a “rotulagem” da eletricidade
nas contas de energia e permitindo tanto as empresas públicas quanto os
produtores independentes de energia comercializar a eletricidade de fontes
diferentes – sendo em geral as mais populares a energia renovável da biomassa,
eólica e solar. Entre os países onde números consideráveis de consumidores de
energia se alistaram na energia verde estão os Estados Unidos (particularmente
a Califórnia, Colorado e Pensilvânia), Austrália, Alemanha, Japão e Holanda. A
energia verde está se tornando popular com empresas e consumidores
particulares, que estão sinalizando fortemente ao mercado as fontes energéticas
que preferem. Isto provavelmente levará a investimentos adicionais substanciais
em energia renovável nos anos vindouros.[xxxvi]
Uma
manifestação do interesse crescente na energia verde é o próspero mercado de
energia eólica nos últimos dois anos (ver Figura 1-2); em 1999, as vendas de
turbinas eólicas cresceram 65 porcento – quase tão rápido quanto as vendas de
telefones celulares. Embora os mais de 18.000 megawatts de energia eólica
projetados para estar implantados até o final de 2000 produzam menos de 1
porcento da eletricidade mundial, esta parcela já ultrapassou 2 porcento na
Alemanha e representa mais de 10 porcento na Dinamarca.[xxxvii]
Figura
1-2. Capacidade Mundial de Geração de Energia Eólica, 1980-99
A concentração, em apenas poucos países, do
desenvolvimento da energia eólica é o reflexo
de políticas que proporcionam acesso ao mercado em
condições favoráveis, motivadas pelos empregos locais e receitas fiscais
gerados pelos investimentos na energia eólica. Entretanto, tendo em vista a
tecnologia da energia eólica ser baseada em componentes e técnicas fabris
padronizadas, tem se disseminado rapidamente de uma nação à outra, à medida que
as políticas de eletricidade são alteradas. Em 2000, grandes projetos de
energia eólica tiveram início na China, Japão, Índia e Estados Unidos,
indicando que alguns dos maiores mercados energéticos do mundo estão se
inclinando mais para o desenvolvimento eólico. Outro sinal dos tempos é o
anúncio da gigante de equipamentos de energia, ABB, que está deslocando seu foco histórico das usinas térmicas
multibilionárias para geradores menores em pequena escala, inclusive energia
eólica e outras tecnologias de energia renovável.[xxxviii]
Do microcrédito à microenergia, a lição dos últimos
anos parece ser que mudanças rápidas são possíveis – quando as condições são
propícias. Mesmo quando o degelo súbito do Pólo Norte nos lembra que os
problemas ambientais não seguem uma progressão clara e linear, podemos tirar
algum conforto em saber que as soluções ambientais e sociais também podem se
desenvolver em taxas exponenciais. Este processo de mudança – e como acelerá-lo – é analisado em detalhes
no Capítulo 10.
O
NORTE ENCONTRA O SUL
Cientistas, estudando a evolução inicial das
tecnologias, observaram que alguns dos dispositivos e práticas de maior sucesso
surgiram quando uma sociedade humana assumiu uma idéia desenvolvida em outro
lugar, adaptando-a e aperfeiçoando-a. De fato, mesmo antes da era das
explorações ter aberto a maior parte do mundo à rápida difusão de idéias, a
lenta disseminação de inovações, de um vilarejo para outro, permitiu que
culturas tão distantes como as da Europa Ocidental e da China aprendessem uma
da outra. Mas tal difusão sempre ocorreu mais rapidamente numa direção
Leste-Oeste do que Norte-Sul, onde variações climáticas e desertos de difícil
penetração tornavam as viagens e as comunicações mais problemáticas.
No mundo moderno, estas barreiras tradicionais
praticamente desapareceram. Pode-se viajar fisicamente para quase todos os
cantos do planeta num período de um dia e a Internet proporciona ligações quase
instantâneas entre culturas diversas, em lugares distantes. A questão hoje é se
este potencial de comunicações e o nível crescente de comércio entre as nações,
pode ser transformado num esforço comum para equacionar problemas comuns.
Os maiores benefícios viriam de um compromisso compartilhado
Norte-Sul para um mundo sustentável, uma vez que as diferenças de perspectiva
entre países ricos e pobres têm prejudicado os esforços de lidar efetivamente
com questões que vão desde crescimento populacional e diversidade biológica até
a mudança climática. Em muitas negociações internacionais, acusações têm
entravado as ações e atrasado a adoção de políticas eficazes. É hora dos países
industrializados assumirem sua responsabilidade histórica pelo estado atual do
planeta – e hora dos países em desenvolvimento reconhecerem que correm um
grande risco com os problemas ambientais, mas que também se beneficiarão das
oportunidades econômicas que se apresentam num novo caminho de desenvolvimento.
Ônus e liderança divididos são hoje de crucial importância.
Tomemos um exemplo: A mudança climática é um problema
desigualmente distribuído. Os países industrializados produziram a maior parte
dos gases de aquecimento que causam a mudança do clima, porém são os países em
desenvolvimento que sofrerão os efeitos mais graves. As nações densamente
habitadas do sul e leste da Ásia e da África Ocidental, onde milhões de pessoas
vivem em deltas imensos ao nível do mar, ou abaixo, são mais vulneráveis à
elevação do nível do mar. Em Bangladesh, por exemplo, uma elevação de 1 metro
inundaria 3 milhões de hectares e desalojaria 15-20 milhões de pessoas. No
Delta do Mekong, no Vietnã, estes números são 2 milhões de hectares e 10
milhões de pessoas. Na Nigéria, cerca de 70 porcento do litoral seria coberto e
quase 4 milhões de pessoas seriam desalojadas, inclusive muitos residentes de
Lagos, a capital. Outra descontinuidade Norte-Sul reside no fato das
tecnologias para o combate à mudança climática, como produtos químicos
industriais mais benignos, células de combustível e solar fotovoltáicas advirem
principalmente dos centros de pesquisa e desenvolvimento dos países do Norte,
quando os prósperos mercados industriais e energéticos, onde são mais
necessários, estão no Sul.[xxxix]
Preencher estas lacunas entre o Norte e Sul exigirá
uma combinação de reformas inovadoras de mercados e um compromisso comum dos
governos para ocupar os espaços deixados pelo setor privado. A maior parte da
ênfase recente tem estado no mercado, apontando para desenvolvimentos como o
mercado de produtos florestais
certificados e o interesse crescente dos consumidores no ecoturismo. E mesmo os
tratados negociados por governos, como o Protocolo de Kyoto sobre mudança
climática, dependem hoje de mecanismos de mercado como instrumentos principais
para a consecução dos objetivos. Programas de negociação de gases de estufa
estão sendo considerados como uma forma não apenas de reduzir as emissões da
forma mais eficiente possível, mas também de distribuir o ônus do
equacionamento do problema entre vários países.
Mecanismos de mercado são, freqüentemente, eficazes e
as inovações privadas são a chave para a solução de muitos problemas, porém a
cooperação Norte-Sul terá que se basear em algo mais do que relações comerciais
para que os problemas mundiais atuais sejam superados. A cooperação entre ONGs,
por exemplo, permite que programas sociais e técnicas políticas inovadoras
sejam rapidamente transferidos de um país para outro, acelerando dramaticamente
o ritmo do progresso. O recente incremento no número destes grupos, no mundo em
desenvolvimento, está sendo incentivado pelo apoio de fundações, nos países
industrializados, como também pela disseminação da democracia em muitas nações
pobres. E a Internet está provando ser de grande utilidade para a disseminação
da sociedade civil em países onde tem sido fraca no passado. A capacidade dos
cidadãos se comunicarem facilmente entre si – e com pessoas em terras distantes
com interesses afins – está transformando rapidamente a equação política em
muitos países e criando condições mais favoráveis para a solução dos problemas
sociais e ecológicos.
A liderança governamental também
é importante: os governos precisam formar parcerias fortes e suprir recursos
suficientes para investimento em infra-estrutura pública necessária para apoiar
uma economia sustentável. O fracasso de muitos países industrializados em
cumprir os compromissos financeiros que assumiram nos termos de vários acordos
internacionais, e o fracasso de alguns países em desenvolvimento em executar
reformas políticas e econômicas, deixaram um resquício de desconfiança que deve
ser superado. Embora seja improvável que os níveis de ajuda externa jamais
retornem aos valores típicos das décadas de 60 e 70, um fluxo constante de
subvenções bem direcionadas é essencial para sustentar o progresso. E com o
capital privado assumindo a maior parte do ônus do crescimento industrial e
infra-estrutura em larga escala, a ajuda governamental poderá ser dirigida para
as necessidades prementes, com efeitos multiplicadores no progresso humano e proteção
ambiental: áreas como educação, tratamento de saúde, situação das mulheres,
microcrédito e amplo acesso à Internet. . Um passo essencial é a redução dos encargos das dívidas dos
países em desenvolvimento que já atingiram níveis onerosos nos últimos anos.
(Ver Capítulo 8.)
A fraqueza econômica e política de muitos países em
desenvolvimento tem impedido que assumam uma posição mais central no cenário
mundial, que hoje pertence logicamente a eles. Com 80 porcento da população
mundial, o grosso dos recursos naturais e uma oportunidade de aprender dos
erros históricos dos países industrializados de hoje, parece claro que o Sul,
cada vez mais, dominará o século XXI. O verão setentrional de 2000 anteviu um
sinal intrigante do futuro, quando o México elegeu seu primeiro presidente de
fora do partido tradicional dominante. Vicente Fox, um líder moderno, bem
educado e carismático, foi a Washington e advogou a livre
movimentação de trabalhadores através da fronteira EUA-México, como o capital hoje o faz.[xl]
A estrutura existente de instituições internacionais,
como o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, terá que ser
reformada, permitindo que os países em desenvolvimento assumam o papel mais
central que é hoje essencial para a solução dos mais difíceis problemas
mundiais. Com o poder compartilhado virá a responsabilidade compartilhada –
algo mais exeqüível hoje do que há duas décadas, quando sistemas políticos
participativos ainda eram raro no mundo em desenvolvimento.
Um novo princípio organizacional particularmente
adequado para os países é o grupo E-9, descrito anteriormente – uma coalizão de
países do Norte e Sul que, somados, têm muito mais impacto sobre as tendências
sociais e ecológicas globais do que o Grupo dos 8 (G-8) – países industrializadas
que se reúnem anualmente para discutir política econômica internacional. Em
conjunto, o E-9 tem 60 porcento da população mundial, 73 porcento das emissões
de carbono e 66 porcento das espécies vegetais mais importantes (ver Tabela
1-7). Eles têm tanto a capacidade quanto a responsabilidade para liderar o
mundo no enfrentamento dos principais desafios do século XXI.[xli]
A
cooperação Norte-Sul terá que se basear em algo mais do que relações
comerciais, para que os problemas mundiais sejam superados.
Tabela
1–7. O E-9: Líderes para o Século XXI
País |
Parcela da População Mundial, 1999 |
Parcela do PIB em Poder de Compra por Pessoa, 1998 |
Parcela das Emissões Mundiais de Carbono, 1999 |
Parcela da Área Florestal Mundial, 1995 |
Parcela das Espécies Mundiais de Plantas Vasculares, 1997 |
|
(percentual) |
||||
China |
21,0 |
10,2 |
13,5 |
4 |
11,9 |
Índia |
16,5 |
5,4 |
4,5 |
2 |
5,9 |
União Européia |
6,3 |
20,5 |
14,5 |
3] |
- |
Estados Unidos |
4,6 |
21,3 |
25,5 |
6 |
6 |
Indonésia |
3,5 |
1,3 |
.9 |
3 |
10,9 |
Brasil |
2,8 |
2,9 |
1,5 |
16 |
20,8 |
Rússia |
2,4 |
2,4 |
4,6 |
22 |
- |
Japão |
2,1 |
8,0 |
6,0 |
0,7 |
2,1 |
África do Sul |
0,7 |
0,9 |
2,0 |
0,2 |
8,7 |
Total do E-9 |
59,9 |
72,9 |
73 |
56,9 |
66,3 |
Cálculos do Worldwatch baseados em Population Reference Bureau, “1999 World
Population Data Sheet,” wall chart (Washington, DC: junho de 1999); Banco
Mundial, Indicadores do Desenvolvimento
Mundial 2000
(Washington, DC: 2000), 10–12; BP Amoco, BP
Amoco: Statistical Review of World Energy (London: junho de 2000), 38;
Organização de Alimentos e Agricultura das Nações Unidas, State of the World’s Forests 1999
(Nova York: 1999); World Conservation Union–IUCN, 1997 IUCN Red List of Threatened Plants (Cambridge, U.K.: 1998),
xvii, xxvii–xxxiii. |
Já é hora do E-9 se organizar
como um grupo semi-oficial de nações que se reuna regularmente para analisar a
gama de questões econômicas, sociais e ambientais que o mundo enfrenta. Embora
estas reuniões possam ser menos harmônicas e mais desregradas do que as
reuniões atuais do G-8, também podem ser bem mais conseqüentes, pois
envolveriam um grupo de nações com capacidade de determinar tendências globais
e ajudar a forjar o consenso Norte-Sul mundial sobre questões-chave. Sob este modelo, o E-9 não substituiria organismos
internacionais mais abrangentes que representam todas as nações, grandes e
pequenas, mas sim incentivaria estas instituições, como também o setor privado,
à ação.
Um exemplo do impacto potencial é a mudança climática, onde o E-9
representa quase três quartos do mercado mundial de petróleo, carvão e gás
natural, cuja combustão é a causa principal da mudança climática. Um
compromisso destes nove de uma mudança rápida para eficiência energética,
energia renovável e carros de emissão zero, colocaria o clima global numa nova
trajetória.Igualmente,
um compromisso firme pelo E-9 para lidar com as causas subjacentes da pobreza –
implementando reformas econômicas e jurídicas, e proporcionando recursos –
contribuiria muito para reduzir a desigualdade.41
No final, o desafio maior não será tecnológico ou
mesmo econômico. Como escreveu o economista Herman Daly, da Universidade de Maryland,
uma economia sustentável “exigiria pouco dos nossos recursos ambientais, mas
muito mais dos nossos recursos morais.”
Uma destas exigências será reorganizar as instituições internacionais
para que o poder se baseie não em quem tem o maior PIB, e sim num senso humano
de justiça, equilíbrio – e no que é finalmente necessário para assegurar um
futuro sadio para a humanidade e o planeta. Isto pode parecer um grande salto
no primeiro ano do novo século. Porém, ao deixarmos um século que começou com
as mulheres proibidas de votar na maioria dos países e com a guerra como o meio
aceitável para resolução de diferenças entre as grandes potências, deveríamos
estabelecer um alto padrão para as décadas vindouras.[xlii]
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O livro Estado do Mundo 2001 e outras publicações da
WWI em português, são publicados no Brasil pela UMA-Universidade Livre da Mata
Atlântica / UMA Editora.
Podem ser adquiridos no site www.worldwatch.org.br
, tel 55-71-3127897,
e-mail uma@uma.org.br
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